Azul é a cor que eu mais gosto II - Gustavo

Ensaio

Filho querido,

Queria poder ser um bom pai e uma pessoa um pouco melhor, ter a capacidade de me comunicar mais facilmente com você, ser menos culto e mais inteligente, menos inteligente e mais sensível, queria te dar sempre muitos e bons conselhos.

Há quem diga que conselhos são presentes inúteis e talvez com razão. No entanto, se eu pudesse te aconselhar, diria primeiramente para ficar longe das certezas, sejam elas quais forem. Certezas demais limitam o raciocínio. Boas ideias não se encontram organizadas em rebanhos ou filas indianas, as ideias geniais são sempre rebeldes e difíceis de achar. Lembre-se de que seres humanos são imprevisíveis por natureza.

Nunca acreditei em destino, principalmente aquele tipo de destino infalível, pronto e imutável. Destino com jeito de roteiro cinematográfico, onde cada pessoa tem um papel definido e cada ação uma hora marcada para começar e acabar, eventos agendados que nunca acontecem por vontade da criatura, mas sim por determinação de um Criador que controla minuciosamente o saldo de vidas passadas, punindo ou premiando as ações, neste e também no outro mundo.

Falando em certezas, daqui a alguns anos você vai passar por uma fase confusa, chamada adolescência, na qual achará que toda a razão do mundo lhe pertence. Sabe de uma coisa filho, nesta idade a razão é totalmente dispensável. Quem precisa de razões quando há tanto tempo para acertar e errar. Neste momento, você pensará também que sabe tudo sobre todos os assuntos, para descobrir logo depois que nada sabe, cada vez menos, e acredite que isto não terá a menor importância.

Depois desta fase, o tempo passará mais rápido, as novidades irão rareando e os dias ficarão mais chatos. Neste ponto da vida, com certeza, você terá se transformado em um adulto, e então só restará saudade da criança esquecida um dia.

Principalmente filho, tome muito cuidado com a literatura. A literatura é uma coisa maravilhosa, o problema é quando ela passa a ser a única coisa boa em nossas vidas. Nunca deixe que isso aconteça com você.

Comentários

Nadadeordinário disse…
É um saco permitir que nossos parâmetros da vida se convertam somente naquilo que conhecemos literariamente... mas se assim o é... que assim o seja.
Tomando cuidado com a intolerância gerada pelo que eu conheço e mantendo minha boca fechada quando querem pular de dentro dela PESSOAs
como GUIMARÃES ROSA e MACHADO , até que consigo fazer de conta que sou tolinha e nunca vi semiologia em minha vida... e, de certa forma, até que pros outros nem faz diferença mesmo.
XXX :)
Alexandre Kovacs disse…
Não tenho como evitar, estou sempre confundindo literatura com a vida real o que é ótimo e péssimo ao mesmo tempo.

Bem que eu gostaria de ter umas falas MACHADIANAS como a de Brás Cubas: "(...) Com efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara, pendurou-se-me uma idéia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais arrojadas cabriolas (...)"
nostodoslemos disse…
Kovacs,

Emocionante esta postagem.
Sou mãe de 4 filhos e só cm o tempo e prática descobrimos que os arranhões da vida são necessários para que os filhos mais rapidamente assumam o papel de cidadão do mundo.
Só sabemos ser filhos quando somos pais e só sabemos ser pais quando somos avós, portanto, curta mais e se preocupe menos, esta é a questão.
Parabéns!
nostodoslemos disse…
Caro Kovacs,

Antecipadamente, fica aqui meu sincero pedido de desculpas pela forma exagerada de expressão. Palavras mal escritas.
Na verdade na minha vivência reconheço que meus filhos tem sido meus os melhores mestres que a vida pode proporcionar, sem desmerecer os amigos, a família em geral.
Mas especialmente eles tem proporcionado rapidamente a pode às arestas necessárias a minhas imperfeições mundanas.
Bom domingo!
Alexandre Kovacs disse…
Lígia, obrigado pelo comentário e mesmo com "apenas" um filho, faço uma remota idéia da dificuldade de se criar quatro seres humanos com um mínimo de formação. Acho que o texto ficou um pouco sombrio, coisa de pai preocupado de primeira viagem. De qualquer forma, obrigado mais uma vez por emitir sua opinião sempre bem-vinda.

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