Darcy Ribeiro - O povo brasileiro

Antropologia
Darcy Ribeiro - O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil - Editora Global - 368 páginas - Lançamento de 2015.

A análise apaixonada de Darcy Ribeiro sobre as origens do nosso povo e a formação da nação brasileira se, por um lado, não segue o rigor científico dos manuais de antropologia e sociologia, por outro, estabelece um clima de cumplicidade e até mesmo de criação literária ao tentar responder à clássica pergunta: "por que o Brasil ainda não deu certo?". Ao explicar as diferenças e as particularidades regionais, a saber: a cultura crioula do litoral, cabocla da população amazônica,  sertaneja  do Nordeste, a caipira do Sudeste e sulista dos gaúchos, Darcy Ribeiro ocupa um papel fundamental na bibliografia nacional  ajudando a combater um certo complexo de inferioridade que está enraizado em nossa história.

Os brasileiros, resultantes do encontro entre o pequeno grupo de invasores portugueses com os índios e negros africanos, representam uma nova etnia muito diferente das matrizes. A formação deste novo povo, não foi pacífica como costumamos atribuir à índole do brasileiro. No caso da assimilação da cultura indígena, o que ocorreu foi um verdadeiro genocídio em vários níveis, principalmente no biótico, inicialmente como uma guerra bacteriológica entre as moléstias que o branco trazia e eram fatais para a população indígena, depois pelas sucessivas tentativas de escravização do índio. O negro, principal força de trabalho do sistema econômico colonial, primeiro no engenhos de açúcar e depois nas minas, encontrava-se fraco e abandonado em sua nova terra com outros escravos, iguais na cor, mas diferentes na língua e, normalmente, vindos de tribos hostis. 

Darcy Ribeiro resume excepcionalmente bem a formação da nossa identidade da seguinte forma: "A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória europeia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos e dos negros africanos. O Brasil emerge, assim, como um renovo mutante, remarcado de características próprias, mas atado genesicamente à matriz portuguesa, cujas potencialidades insuspeitadas de ser e de crescer só aqui se realizaram plenamente. A confluência de tantas e tão variadas matrizes formadoras poderia ter resultado numa sociedade multiétnica, dilacerada pela oposição de componentes diferenciados e imiscíveis. Ocorreu justamente o contrário, uma vez que, apesar de sobreviverem na fisionomia somática e no espírito dos brasileiros os signos de sua múltipla ancestralidade, não se diferenciaram em antagônicas minorias raciais, culturais ou regionais, vinculadas a lealdades étnicas próprias e disputantes da autonomia frente à nação".

No longo caminho de feitoria escravista colonial até a posição atual de candidato a nova potência mundial com domínio da tecnologia de exploração em águas profundas dos reservatórios petrolíferos da camada do pré-sal, o nosso país vai seguindo as indicações de Darcy que nos considerava uma nova Roma tardia e tropical, lavada em sangue negro e índio. "Mais alegre , porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra".

Comentários

Unknown disse…
Além de corajoso, Darcy representou um capítulo à parte em nossa cultura. Sem aqueles ademanes,trejeitos e linguajares típicos dos intelectuais, ganhou meu coração e voto quando abandonou, sem alta, o hospital em que estava internado. Considerou uma violência contra seu corpo e uma aceleração do seu fim. O texto é sério, não sisudo. Uma, como sempre, ótima lembrança. Abraços.
Alexandre Kovacs disse…
Caro Djabal, Darcy Ribeiro também conquistou minha admiração quando soube de sua fuga da UTI para viver e também escrever este livro em uma praia de Maricá no RJ, onde sintetizou a formação e explicação do povo brasileiro. Um homem livre e que, segundo Antonio Candido, foi "capaz de viver muitas vidas numa só, enquanto a maioria de nós mal consegue viver uma."
nostodoslemos disse…
Kovacs,

"Mais alegre , porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da Terra".

É verdade o que analisa Darcy Ribeiro: o povo brasileiro em sua simpliscidade procura conviver bem com todas as raças e culturas onde a natureza privilegiada o faz feliz.

Somos, entretanto, um povo pacato frente as mudanças que necessitam ser implementadas tendo em vista a sociedade brasileira já apresentar sintomas de países desenvolvidos e suas doenças sociais.

Sds,
Alexandre Kovacs disse…
Lígia, tem razão em questionar este lado da "índole brasileira".
myra disse…
Darcy e Ferreira Gullar, eu conheçO! e admiro os dois,
faz tempo que a gente nao se visita!
beijos
Alexandre Kovacs disse…
Myra, obrigado pela visita e espero que já esteja adaptada ao novo país.
Anônimo disse…
Que belo mundo é este: teu blog! Falamos o mesmo dialeto. Por essas bandas amazônicas, a arte está em ebulição em seus diversos seguintes. Tenho orgulho de manauara com tantos nomes sagrados como Thiago de Mello, Elson Farias, Tenório Telles, Anísio Melo e etc. A FLIP está a chegar e terei a felicidade de encontar Ubaldo.
Alexandre Kovacs disse…
Elayne, obrigado pelo comentário e seja bem-vinda por aqui.
Daisy disse…
Olá, Kovacs... saudades!
As reflexões de Darcy Ribeiro são sempre bem vindas, assim como as de muitos antropólogos e sociólogos. Eu estava justamente refletindo sobre a antropologia. Vou deixar parte de um texto do www.comciencia.br que achei mui interessante.

..."O Brasil é um caso típico de uma antropologia sempre engajada na defesa desses grupos. Uma das interpretações mais ricas deste traço da antropologia brasileira foi feita por Roberto Cardoso de Oliveira. Para ele, pode-se explicar essa "afeição" de nossa antropologia pelos dominados por meio do conceito de "colonialismo interno". Em outras palavras, temos um contexto social, cultural e econômico, no qual o antropólogo - o sujeito epistêmico - faz parte de uma sociedade colonizada em sua origem e que, ao mesmo tempo, reproduz internamente muitos dos elementos de dominação. Desta maneira, o antropólogo, por pertencer geralmente ao grupo dominante, é acometido por um tipo de "crise de consciência" que somente se desfaz quando ele passa a atuar em defesa dos grupos oprimidos no âmbito de seu próprio país."...

Beijo, grande amigo!
Daisy disse…
A matéria completa está aqui:
http://www.comciencia.br/reportagens/guerra/guerra20.htm
Alexandre Kovacs disse…
Daisy, obrigado pela indicação da matéria! Talvez Darcy Ribeiro tenha mesmo esta "crise de consciência" que você citou. Acho que ele transforma este sentimento em uma apaixonada e corajosa defesa do povo brasileiro.
Só Livros Lidos disse…
Quando li Darcy Ribeiro pela 1ª vez um profundo orgulho de nossas origens indígenas. Ainda mais quando ele diz que aqui foi produzida uma "Roma Tropical", reforçando a crença nesse país o qual ainda não era dos brasileiros...
Parabéns pelo blog, o encontrei procurando uma capa do livro. Espero a sua visita no Bibliotecando por aí...
Abraços,
Mário
Alexandre Kovacs disse…
Bibliotecando, obrigado pelo comentário e gostei muito do seu Blog!
Chutando a Lata disse…
Depois de velho e calejado pelas decepções inesperadas tenho feito a releitura de certos livros consagrados em nossas estantes. Raízes do Brasil foi um dos primeiros a passar pelo meu crivo. O que me chamou atenção foi exatamente o descuido com o rigor cientifico. Entretanto, acho que isso por si só não desmerece o livro. A época em que foi escrito e o contexto político são elementos suficientes para validá-lo. Darcy Ribeiro está na minha lista. O meu sentimento é que algo não muito diferente do que encontrei em Sérgio Buarque irei encontrar em Darcy.

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