Granta Vol. 13 - Traição

Literatura
Granta Vol. 13 - Traição - 304 páginas - Editora Objetiva, Selo Alfaguara, lançamento 01/05/2015.

Esta é uma das melhores edições da Granta Brasil e também uma das mais globalizadas, incluindo traduções de autores do hebraico, sueco, japonês, chinês, inglês, além é claro dos autores locais. O tema ajuda bastante já que a traição é abordada com sutileza e criatividade, não se limitando à traição explícita ou implícita entre casais, forma normalmente abordada em contos e romances (ler aqui 20 traições famosas na literatura pelo Mundo de K), mas também a deslealdade a um sistema de governo, família ou amigos; seja no passado, no presente ou até mesmo em um futuro distópico. O time de autores brasileiros desta seleção é formado por José Luiz Passos, Alice Sant'Anna, Paulo Scott, Adriana Lunardi e João Anzanello Carrascoza.

O ensaio fotográfico, tradição da Granta Brasil, não é de autoria de um fotógrafo contemporâneo, mas sim de Juan Gutierrez, cidadão espanhol, provavelmente nascido nas Antilhas, designado em 1889 fotógrafo da Casa Imperial por D. Pedro II. Ele adquiriu cidadania brasileira após a proclamação da República e documentou a revolta da Armada no Rio de Janeiro (1893 - 1894), ocorrida durante o governo do marechal Floriano Peixoto. Esta rebelião da oposição monarquista, liderada por oficiais da Marinha do Brasil, também é o tema de um dos contos desta edição, "Marinheiro só", de José Luiz Passos que comprova ser possível desenvolver ficção e apresentar ao mesmo tempo um belo trabalho de pesquisa histórica no reduzido espaço de um conto. Assim, ficamos conhecendo os antecedentes e motivações do segundo-sargento Silvino Honório de Macedo, um traidor dos primeiros anos da nossa República. O autor nasceu em Pernanbuco, em 1971, e venceu o prêmio Portugal Telecom de Literatura em 2013 com o romance "O sonâmbulo amador" (Editora Objetiva).
"São dez da manhã. Floriano não pode dispensar a carruagem oficial, como de costume, então salta do trem e aceita o transporte. Uma vez ali dentro, ele se senta e faz um aceno vago; não leva mais de um segundo: a mão no ar, por cima da cabeça, e gira o punho sacudindo os dedos. A carruagem está cercada de oficiais e soldados, de ambulantes curiosos e os oito dragões em escolta montada. Para o intendente, o gesto de Floriano quer dizer 'Prossiga!' em seu relato do ocorrido na Santa Cruz. Já para o coronel incumbido da segurança no translado do presidente, o sinal é claro: 'Dispersar' — a turba precisa sumir e os militares, retornem a seus postos. No entanto, aos olhos do lacaio da carruagem o aceno é obviamente um 'Eia!' e avante com esse carro; fato que ele logo transmite ao cocheiro, esticando e encolhendo os braços, punhos cerrados, na direção à frente da comitiva. O cocheiro entende e açula a parelha de cavalos. Após a partida, a portinhola se fecha e Floriano segue — incomodado, fazendo silêncio — rumo ao Palácio do Itamaraty." - "Marinheiro só" (págs. 118 e 119).
"Um casamento limpo" é um conto muito bem-humorado da japonesa Sayaka Murata que imagina uma insólita situação na qual um casal decide ter filhos sem fazer sexo. "Um casamento que excluísse os gêneros o máximo possível, um cotidiano calmo, como o de irmãos próximos, não como homem e mulher, mas apenas como família", estas regras nada ortodoxas foram discutidas e definidas pelo casal que se conheceu em um site de relacionamentos. Tudo vai bem na vida tranquila que escolheram, incluindo as relações extraconjugais, conhecidas e consentidas de comum acordo, até o momento que decidem ter filhos. A autora nasceu em 1979 e recebeu o Noma Prize for New Writers, em 2009, e o Yukio Mishima Prize em 2013, este conto integrou o primeiro número da Granta em japonês.

Em "Concentrado de carro", do israelense Etgar Keret, também está presente o bom humor, mesmo que uma estranha variação de humor negro em uma espécie de traição não conjugal, mas familiar. O nosso protagonista conserva em sua sala de estar um bloco de metal vermelho com uma listra branca, na verdade um Mustang 68 conversível compactado que herdou do pai. Ficamos conhecendo aos poucos a origem do objeto até o final surpreendente. O autor nasceu em 1967 e vive atualmente em Tel Aviv, é professor universitário e escreve contos, graphic novels e roteiros. Em 2010 ele foi agraciado pelo governo francês com o título de Chevalier de l'Ordre des Arts et dês Lettres.
"Às vezes eu digo, 'é uma coisa que veio de me pai', às vezes 'é um pedaço pesado de memória', às vezes 'é um Mustang 68 conversível' ou 'é uma vingança vermelha e brilhante' às vezes até mesmo 'é a âncora que mantém toda esta casa em seu lugar. Se não estivesse aqui, há muito tempo tudo teria voado para o céu'. E às vezes, displicentemente, 'é uma obra de arte'. Os homens sempre tentam erguê-lo, sem conseguir. As mulheres, na maioria das vezes, tocam nisso com cautela, com o dorso da mão, como se estivessem medindo a febre de uma criança doente. Se uma delas toca nele com a palma da mão, acariciando, e diz algo como 'isso é frio', ou 'é bom de tocar', interpreto como um sinal de que devo tentar levá-la para a cama." - "Concentrado de Carro" (pág. 31).
O escritor peso pesado desta edição é mesmo Martin Amis, um dos mais conceituados escritores britânicos contemporâneos (ler aqui resenha do Mundo de K para "Água pesada e outros contos"), nascido em 1949, integrou a lista dos "Cinquenta melhores escritores britânicos desde 1945" do jornal The Times, além de já ter participado de várias edições da Granta inglesa. O conto selecionado é "Autorretrato", um aspecto muito pouco abordado de traição, entre humanos e seus animais de estimação. No caso, dois gatos, um americano e outro inglês, conversam sobre a sua relação com os "proprietários" humanos, seus hábitos nas respectivas casas, os diálogos são intercalados por outras "conversas" paralelas entre esquilos e, até mesmo, duas moscas que discutem os apectos filosóficos de suas curtas e perigosas existências.

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