Joyce Carol Oates - As Cataratas

literatura norte-americana
Joyce Carol Oates - As Cataratas - Editora Globo - 488 páginas - Tradução de Luiz Antônio Aguiar - Lançamento no Brasil 25/10/2006 (lançamento original 2004).

A norte-americana Joyce Carol Oates, 77 anos, é um verdadeiro fenômeno de produtividade, com mais de 50 romances e 40 coletâneas de contos publicados, sem falar em seus livros de poesia, dramaturgia e crítica literária, foi cinco vezes finalista do Pulitzer Prize e recebeu uma dezena de nomeações em vários anos para o National Book Award que ganhou em 1970. Ela ainda assim encontra tempo para lecionar cursos de escrita criativa na Universidade de Princeton e utilizar a sua conta no Twitter com regularidade, tendo 20.000 Tweets publicados e mais de 140.000 seguidores, fato comum no ramo da música pop, mas bastante raro tratando-se de escritores. Ela tem sido lembrada nos últimos anos em todas as tradicionais listas de favoritos para o Nobel de Literatura, mas a Academia Sueca parece comprovar a sua antipatia por autores norte-americanos em detrimento dos europeus (o último nome laureado dos EUA foi a romancista Toni Morrison em 1993).

A saga de três gerações de uma família no período de 1950 a 1977, na cidade de Niagara Falls, é o tema principal deste romance onde as vozes narrativas se alternam em cada capítulo para mostrar os diferentes pontos de vista dos personagens, entre eles o jovem reverendo Gilbert Erskine, recentemente nomeado ministro da Igreja Presbiteriana de uma pequena cidade do estado de Nova York e recém-casado com Ariah Juliet Littrell. O casal decide passar a lua de mel em um luxuoso hotel na famosa área turística do rio Niágara, entre os Estados Unidos e Canadá. O capítulo inicial descreve como Gilbert acorda cedo e, no dia seguinte ao casamento, decide se jogar nas fortes Cataratas da Ferradura (os motivos ficarão claros no decorrer da trama). Logo, o capítulo inicial do romance é a descrição de um suicídio provocado pelo efeito hipnótico da força ensurdecedora das águas, onde "o desgraçado indivíduo ao mesmo tempo cessa de existir e anseia se tornar imortal". O trecho abaixo descreve a terrível e bela força da natureza nos últimos momentos de Gilbert:
"As Cataratas rugiam tão alto, agora, que se transformavam em algo hipnótico, tranquilizador. Borrifos voavam por toda a parte, cegando-o, mas ele já não precisava enxergar. Os desgraçados dos óculos escorregando em seu nariz. Sempre odiara óculos, mas a miopia havia sido diagnosticada quando ele tinha dez anos. A sina de G.! Num gesto do qual jamais em sua vida fora capaz, puxou fora os óculos e os lançou ao espaço. Já iam tarde! Nunca mais! 
De repente, estava na balaustrada.  
Em Terrapin Point.  
Já?
Suas mãos tatearam até encontrar a trave mais alta da balaustrada e a agarraram. Ergueu o pé direito, a sola do sapato deslizando, quase perdeu o equilíbrio, mas conseguiu endireitar o corpo, como um acrobata se posicionando no alto da balaustrada, ao mesmo tempo que uma parte de sua mente se encolhia sem acreditar e lhe vinha um pensamento para confundi-lo: 'Isso não pode ser a sério, Gil! É ridículo. Você se diplomou nos primeiros lugares em sua turma, eles lhe deram um carro novo, você não pode morrer agora!' Mas, tomado de orgulho, ele já passara por cima da balaustrada, estava na água, arrastado instantaneamente à frente pelas poderosas corredeiras, como se fossem uma locomotiva, e em poucos segundos seu crânio se partira, o cérebro e sua aparentemente incessante voz imortal extintos para sempre, como nunca antes; em dez rápidos segundos, seu coração parou, como um relógio cujo mecanismo tivesse sido esmagado. Sua espinha dorsal se quebrara, e quebrara de novo, e de novo como se fosse o osso da sorte de um peru, partido por uma criança em meio a risadas, e seu corpo era jogado de um lado para o outro, sem vida, como uma boneca de trapos; já no ponto onde despencavam a Cataratas da Ferradura, seu corpo era erguido e largado, erguido e largado de novo, em meio às rochas, e sugado para baixo em meio às águas borbulhantes e aos pequenos e cintilantes arco-íris, já fora das vistas da espantada e única testemunha na balaustrada do Terrapin Point — embora em pouco fosse regurgitado no ponto onde despencavam as Cataratas e carregado rio abaixo até mais de um quilômetro depois das Corredeiras do Rodamoinho e para dentro do Redemoinho do Diabo, onde seria puxado para baixo, e sumiria de vista, sendo apanhado pelas águas em espiral; o corpo partido giraria como uma lua enlouquecida, em órbita, até que, em Sua Compaixão, segundo Seus Desígnios, Deus lhe concederia o milagre da putrefação, o corpo se encheria de gases, flutuaria para a superfície do redemoinho espumante e seria libertado." (págs. 50 e 51)
Portanto, apenas um dia após o casamento, Ariah, evidentemente muito chocada com a situação, fica conhecida na cidade como "a noiva-viúva das cataratas" e, durante toda a semana do período em que ocorrem as buscas pelo corpo do ex-marido, ela vaga pelas imediações como um fantasma amaldiçoado. Surpreendentemente, acaba despertando o interesse de um rico e conceituado advogado local chamado Dick Burnaby com quem se casa novamente e forma uma família com três filhos (Chandler, Royall e Juliet). Finalmente descobre a paixão e uma vida feliz até que um processo conduzido pelo marido contra as poderosas indústrias químicas locais, devido à poluição provocada no meio ambiente e os efeitos na saúde da população de baixa renda (inspirado no caso real do desastre ambiental de love canal), provocará uma nova tragédia em sua vida. Será que ela é mesmo um espírito amaldiçoado?

Fica clara a habilidade de Joyce Carol Oates com o estilo concentrado do conto. De fato, "As Cataratas" pode ser considerado como uma composição de diferentes (e excelentes) narrativas curtas sobre o marido e a personalidade de cada um dos três filhos, células praticamente autossuficientes, onde o fio condutor da ficção é a enigmática protagonista Ariah. A capa da edição brasileira, produzida por Andrea Vilela de Almeida, foi muito feliz ao fugir da tentação do lugar comum de apresentar grandes volumes de água despencando de uma altura de 800 metros, como foi o caso da maioria dos projetos gráficos no exterior. A imagem do equilibrista com o fundo nublado também remete ao tema do romance de forma mais sutil e original.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

20 grandes escritoras brasileiras

As 20 obras mais importantes da literatura japonesa

As 20 obras mais importantes da literatura francesa

As 20 obras mais importantes da literatura brasileira

As 20 obras mais importantes da literatura dos Estados Unidos

As 20 melhores utopias da literatura