O Idiota - Fiódor Dostoiévski

Literatura russa
Ler um romance de Fiódor Dostoiévski (1821-1881) é conhecer, ou até mesmo reconhecer, o lado sombrio e desesperado da humanidade. Um lado que sempre está presente (talvez oculto) em nossa alma. Ler Dostoiévski é como iniciar um passeio ao inferno que não sabemos exatamente o quanto e como nos influenciará, mas que deixará algumas marcas, como é, ou deveria ser, um dos principais objetivos de qualquer obra literária.

Neste, como em todos os outros livros de Dostoiévski, as personagens interagem em situações descontroladas sempre a um passo da tragédia como no caso do jovem Raskólhnikov de Crime e Castigo, talvez sua obra mais representativa.

A narrativa de O Idiota é frenética e desconcertante e tem como base a tese de que o homem bom e puro, dotado de uma compaixão verdadeiramente cristã, jamais poderá conviver em uma sociedade corrompida, tornando-se para seus semelhantes um idiota, alvo de humilhação e de aproveitadores.

Para desenvolver este tema, Dostoiévski criou a personagem principal do príncipe Liev Nikoláievitch Míchkin com um pouco de Jesus Cristo e outro tanto de Dom Quixote. “A personagem de Míchkin tinha de atingir o grau supremo da evolução do indivíduo, quando ele é capaz de sacrificar-se em benefício de todos. Para isso deveria estar isento de individualismo e de egoísmo.” – ver “A personagem central e seus protótipos” no prefácio do tradutor.

O príncipe Míchkin retorna à Rússia após mais de quatro anos de tratamento de epilepsia na Suíça e logo se envolve em uma trama envolvendo a bela Nastácia Filíppovna e seus pretendentes: Afanássi Ivánovitch Totski, Parfen Rogógin e Gavrila Ardaliónovitch Ívolguin (uma primeira dificuldade para o leitor brasileiro é, naturalmente, se acostumar com os nomes russos).

Cada um desses pretendentes tem uma relação de caráter diferente com Nastácia Filíppovna, o rico fazendeiro Afanássi Ivánovitch Totski foi o responsável pela criação e formação de Nastácia, após a perda da família originada por uma série de fatalidades, ela é criada por Totski em uma pequena fazenda no interior da Rússia, chamada de “Aldeola das Delícias”, não sendo difícil imaginar o motivo.

Nastácia Filíppovna se transforma, ao longo do tempo, em uma mulher amarga e atormentada, disposta a se vingar da sociedade que moldou o seu destino, independente de sua vontade. As ameaças de Nastácia de tornar pública sua relação com o rico e influente Totski fazem com que ele desenvolva uma sórdida negociação com o jovem Gavrila Ardaliónovitch Ívolguin com a finalidade de promover o casamento dele com Nastácia à custa de uma quantia considerável.

O dinheiro é sempre um elemento central nos dramas de Dostoiévski e isto, mais uma vez, fica claro neste romance, quando Gavrila Ardaliónovitch afirma que “Uma vez com o dinheiro, saiba que serei um homem original no supremo grau da palavra. O dinheiro é mais abjeto e odioso porque ele dá talento.” Logo, por ambição, ele cede à proposta de Totski, mas Nastácia zomba do dinheiro e de todos aqueles que fazem dele o objetivo de suas vidas – ver “O dinheiro na Obra de Dostoiévski” no prefácio do tradutor. O próprio Dostoiévski escreveu este livro em meio a suas próprias crises de epilepsia e também pressionado por grandes dívidas de jogo.

Nastácia, após recusar o casamento com Gavrila, acaba se vendendo ao rico herdeiro Parfen Rogógin por uma quantia ainda maior, para logo depois lançar o dinheiro ao fogo. Entretanto, sua relação com Rogógin que não consegue se libertar de uma paixão doentia por ela terá prosseguimento com conseqüências trágicas para todos.

O príncipe Míchkin também acaba se apaixonando por Nastácia Filíppovna, mas este amor é fruto unicamente da compaixão que ele sente pelo sofrimento de Nastácia. O príncipe encontrará o verdadeiro amor por Aglaia Ivánovna, a filha caçula do general Ivan Fiódorovitch Iepántchin e Lisavieta Prokófievna.

Editora 34 - 681 páginas, lançamento 2002
Tradução direta do original russo por Paulo Bezerra

Comentários

P R v B disse…
Grande Figura,

Dispensável registros adicionais sobre a honra de privar de sua amizade.

Permito-me uma breve nota sobre sua “decodificação” d’O Idiota. Aqui, finalmente, você revela e atesta a aplicabilidade de todas as minhas suspeitas sobre as reais, quase imensuráveis dimensões de suas bondade e fraternidade, evidentes em sua muito particular visão do ser humano, ao reduzir à expressão mais simples o que de pior sobrevive sobre a Terra, qual seja, o homem em si, o inconsciente coletivo.

Sua assersão relativa à identificação “do lado sombrio e desesperado da humanidade” no texto de Dostoiévski, demonstra claramente sua crença, não sei se cristã, mas certamente pueril, num sobrepujante lado iluminado e temperado dessa corja global.

Note que o utópico para o escritor é a bondade, o altruísmo dentre tantas outras infinitas qualidades, que me permitiriam listá-las por dias a fio.

O que de fato se percebe na e da angústia de Dostoiévski, é a constatação de que, à exceção de poucos como você, a massa se iguala no irracional, nos seus instintos mais primitivos e que a torna o fulcro da união de animais, capazes de sentir no fígado cru de seu semelhante, o mais puro sabor e o suave bouquet do melhor dos vinhos...

Congratulações e grato pelo oportuno blog.
Alexandre Kovacs disse…
Nossa... Que satisfação saber que o meu texto gerou estes comentários!
Barros (RBA) disse…
Ia comentar algo sobre o autor e sua obra, mas depois de tamanha erudição do nosso amigo René, atenho-me apenas a dizer: Uau!
celeste disse…
Gostei muito, como adoro livros, virei cá mais vezes.

De Portugal, Celeste
Alexandre Kovacs disse…
Celeste, obrigado pela visita e seja muito bem-vinda por aqui!
SEVE disse…
Todos os dias descubro novos mundos, novas pessoas, neste belíssimo blogue.

De Portugal um abraço para todos

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