e. e. cummings - análise do poema "1(a"

poesia

Somente Augusto de Campos poderia traduzir e comentar o mais experimental e moderno poeta de todos os tempos, o americano e. e. cummings (1894-1962), por sinal um precursor do uso das letras minúsculas em seu nome, assim como valter hugo mãe no início de sua carreira. Utilizo como referência para esta postagem a edição bilíngue de 1986 da editora brasiliense que reúne 40 poemas traduzidos e a análise abaixo de Augusto de Campos.

Na poesia de Cummings o aspecto visual e a composição tipográfica do poema são parte fundamental do trabalho, seja pela posição e deslocamento das palavras, sinais de pontuação, espaços em branco ou por meio do número de letras e linhas que influenciam diretamente no ritmo do poema. Todas essas características fazem da poesia de Cummings um desafio praticamente intransponível para qualquer tradutor.

O poema "1(a" ou "a leaf falls on loneliness", como também é conhecido, pode ser uma ótima introdução para a linguagem cummingsiana. Este trabalho, publicado quando Cummings tinha 64 anos no livro "95 poems", é composto por apenas uma palavra e uma frase: loneliness (solidão) e a leaf falls (uma folha cai). A palavra e a frase se opõem uma a outra como o conceito subjetivo (loneliness) e a imagem objetiva (a leaf falls), com o mesmo número de letras.

A composição é organizada em grupos de linhas, com a alternância de 1 e 3 linhas. O tipo dos caracteres "1" e "f" (principalmente no tipo com serifa , times new roman) representam uma ambivalência que é parte fundamental do contraste com "alone" (só), "one" (um) e "oneliness" (unicidade). Finalmente, como destaca Augusto de Campos: "através do recorte das linhas, o poeta representa o movimento da folha caindo — o '1' que vem da primeira linha, passando pelos 'ff' subsequentes —, rodopiando na inversão das letras 'af' (final de 'leaf') e 'fa' (início de 'fall') até desaparecer na última linha".

Bem, sem maiores introduções ou "intraduções" como brincou Augusto de Campos, vamos ao poema "1(a" ou "a leaf falls on loneliness":
l(a

le
af
fa

ll

s)
one
l

iness
Referência: Editora Brasiliense, 1986, 146 páginas - 40 poem(a)s de e. e. cummings

Comentários

nostodoslemos disse…
Kovacs,
Se tivesse que escolher apenas um livro... certamente teria um de poesia em mãos.
É tudo tão íntimo, intrínseco.
Apreciar o momento de criação também faz parte da beleza de uma poesia escrita independente de sua compreensão.
Lidi disse…
Olá, gostei muito do seu blog. Passo a te seguir. Abraços.
Alexandre Kovacs disse…
Lígia, bonito comentário e concordo que a poesia é uma forma de expressão única.
Alexandre Kovacs disse…
Lidi, obrigado pela visita e comentário gentil!
Lígia Guedes disse…
Kovacs,

Olha o que encontrei saído do forno e que lembra as controvérsias do ato de criação:

Ontem rasguei um poema. Coisa séria, gravíssima! É então para esse poema ido para os recônditos da esquecibilidade, que quero dedicar este pequeno outro, inscrevendo-o na lápide imortal do tempo.

POEMA NÃO ESCRITO

Poema não escrito:
Que tua existência efêmera não tenha passado ilesa.
Que teu tema não desenvolvido,
Talvez porque eu o tenha julgado sem dignidade,
Tome parte dos recantos onde os temas amadurecem;
No céu dos versinhos perdidos.

Que teu arranjo disforme de vocábulos
E que o instante em que a inspiração conspira
Não tenham sido em vão, mera obra do acaso,
Mas matéria viva pro crescer poético
Onde as métricas transmutam e se transformam
No solo fértil adubado de consoantes.

Poema não escrito, rasgado de tua existência:
Que teus cortes e lascas de sílabas,
As quais desunidas já não formam estrofes,
Possam além da minha memória reinventar-te
Dilatando-o em uma sobrevida outra;
Para além de significâncias e metáforas obsoletas.

Poema sem nome, que teu almejar poético
Tenha sido o maior de teus feitos.
Não nasceste para ser relegado às gavetas,
Nem tão pouco aos livros empoeirados de estantes.
Nasceste e murchaste como a flor perene,
Que mesmo breve, vale eterna o colorido instante.
(por Carla Guedes)


Desculpa o retorno mas não resisti.
Lígia Guedes
Alexandre Kovacs disse…
Lígia, obrigado por compartilhar e parabéns à Carla Guedes pelo belo poema.
Alexandre Kovacs disse…
Ulisses, seja bem-vindo e obrigado pela visita e comentário.
Marcos Faria disse…
Senta que lá vem a história:

Dizem que um dia Ferreira Gullar, no meio de uma palestra em que estava falando mal da poesia concreta, lançou um desafio: queria ver se alguém da plateia conseguia declamar uma poesia concreta que prestasse.

Silêncio durante alguns segundos, então alguém lá no meio se levantou e disse:

"Solitude
A folha
Cai"
Alexandre Kovacs disse…
Marcos, obrigado pelo ótimo comentário!

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