Yu Hua - Crônica de um Vendedor de Sangue

Literatura chinesa
Yu Hua - Crônica de um Vendedor de Sangue - Editora Companhia das Letras - 272 páginas - Tradução do inglês de Donaldson M. Garschagen - Lançamento no Brasil: 14/12/2011.

O chinês Yu Hua, nascido em 1960, iniciou a sua carreira literária somente em 1983, após um malsucedido início profissional como dentista. Ele já escreveu um total de cinco romances, dos quais três estão disponíveis no Brasil; além de Crônica de um Vendedor de Sangue (2011), a Companhia das Letras já lançou: Irmãos (2010) e Viver (2008). Ele  reside atualmente em Beijing e seus livros já foram publicados em mais de 20 países, tendo recebido os prêmios: Grinzane Cavour da Itália (1998), Chevalier de l'Ordre des Arts et des Lettres da França (2004), Special Book Award da China (2005) e o Prix Courrier International também da França (2008). Desde 2013, Yu Hua é um dos escritores que contribuem com o New York Times (neste link pode-se acessar os artigos dele).

Crônica de um Vendedor de Sangue é aquele tipo de romance universal que mostra os extremos da fragilidade, mas também da grandeza do ser humano, em um ambiente adverso. Seja em uma pequena cidade rural chinesa ou no sertão nordestino brasileiro, o homem, em seu núcleo familiar, precisa se adaptar para sobreviver. Neste ponto é impossível não se emocionar com a trajetória da família formada pelo protagonista Xu Sanguan ao longo dos altos e baixos de trinta anos de história da República Popular da China (1950 a 1980) como pano de fundo, a maior parte deste período sob o governo de Mao Tsé-tung, antes da abertura econômica vivenciada hoje no país. 

Desde muito jovem, Xu Sanguam, operário de uma fábrica de seda, aprendeu que 400 mililitros de seu sangue (volume de duas tigelas de arroz) equivaliam a trinta e cinco iuanes, valor superior ao que ganharia trabalhando por seis meses no campo, uma verdadeira "mina de dinheiro" que provocou na China um livre-comércio de grandes proporções entre doadores e "chefes de sangue". O próprio Xu Sanguam vem a recorrer diversas vezes ao longo da vida a este comércio, normalmente nos momentos de crise familiar. Após o procedimento de doação, um bom prato de fígado de porco frito e duas doses de vinho de arroz amarelo têm o poder de recompor a energia do corpo conforme lhe foi ensinado.

No início, a venda do sangue não representa nenhuma urgência na vida de Xu Sanguam e ele utiliza os recursos desta atividade pela primeira vez para conquistar, na verdade convencer, a bela Xu Yulan a se casar com ele (pagando-lhe um jantar nada romântico com "bolinhos ao vapor, ameixas salgadas, frutas carameladas e meia melancia") e cobrir os custos do casamento. Em um período de cinco anos, Xu Yulan dá à luz três filhos: Yile (Primeira Alegria), Erle (Segunda Alegria) e Sanle (Terceira Alegria). Na verdade, o seu primogênito, Yile, ficará para sempre associado a uma grande tristeza, e não alegria, quando Xu Sanguam descobre que não é o verdadeiro pai do menino. De qualquer forma, este filho que não tem "vínculos de sangue" verdadeiros, à princípio desprezado, acaba se tornando o preferido.

Durante os anos do período histórico chamado Grande Salto Adiante (1958 - 1962), a agricultura passa a ser controlada pelo Estado e coincidentemente ocorrem vários desastres naturais (estima-se que aproximadamente 30 milhões de pessoas morreram de fome), a família de Xu Sanguan tem que passar cinquenta e sete dias consecutivos comendo apenas mingau de fubá. Claro que o nosso protagonista precisa recorrer mais de uma vez ao comércio de sangue para salvar a mulher e os filhos da fome. No entanto, uma fase ainda pior está para começar, quando Xu Yulan é denunciada injustamente como prostituta durante a violenta Revolução Cultural (1966 - 1976) e os dois filhos mais velhos são obrigados a partir para o campo pois, segundo a orientação da política maoista, "é indispensável que os estudantes sejam mandados ao campo para que os camponeses de nível médio e baixo os reeduquem".

Apesar das situações difíceis por que passam seus personagens, a ligação de confiança e amor entre os integrantes da família nunca enfraquece e a narrativa de Yu Hua é sempre bem-humorada, por vezes até mesmo tragicômica, à medida que os eventos familiares são associados aos impactos da política econômica na sociedade chinesa. Um belo livro que já deixa saudade.

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